sábado, dezembro 30, 2023


Não sei quando começou, talvez sempre tenha sido assim. Desde que eu me lembro, minhas mãos tremem sempre que conheço pessoas novas. As frases, antes que saiam da minha boca, passam pelo menos dez vezes pela minha cabeça. Dançar é como subir o Everest. Falar ao telefone, idem. Eu nunca aprendi a gritar. Acordar à noite sempre significou não dormir mais. Eu pareço sempre calma, mas dentro de mim há um turbilhão enorme. É como se eu fosse explodir. Acordar pode significar falta de ar. Assim como ir à uma festa, fazer uma apresentação, entrar numa piscina, ou mesmo ir à padaria. E aí, vocês me pedem pra "ser leve". E eu só queria poder ser. Mas a ansiedade social levou a minha leveza e as palavras da minha boca. Em troca, me comprou tremores e lençóis quentes. Comeu a minha segurança, o meu crédito nos dias solares. Trancou todas as portas, mas não tapou os meus ouvidos. E eu ainda posso ouvir os gritos de fora. A ansiedade levou o meu reflexo, minhas unhas e mantém os meus cabelos espalhados pela casa. Fumou os (meus) cigarros e cortou a minha pele. Acordou o demônio da nulidade, o demônio da insensatez, o demônio do ciúme, o demônio da morte. Não satisfeita, me roubou as horas de sono e o limite do parapeito da janela. Desatinada por me ver dormir, atravessou os meus órgãos e construiu minuciosamente um vulcão em constante quase erupção. Travou os meus pés ao som da minha música preferida. A ansiedade só não me comeu o medo. Exato contrário: o alimenta como quem quer dar cabo a sua fome inacabável e me põe aqui, eternamente presa às suas gélidas garras. 

sexta-feira, dezembro 29, 2023

Sala de estar


Hoje eu li um texto sobre bandas que acabaram nos últimos tempos e reparei que duas delas eram nossas preferidas. Quando li a notícia ela pareceu falar sobre mim. Sobre esses anos que passaram enquanto eu estive aqui, sentada à beira do sonho. Ilusoriamente buscando pedaços de nós. A verdade é que não encontro nada. Nada além de umas memórias escritas ou cantadas, que ficaram como recordações. Algumas delas, cativas do tempo, já ficam turvas, como se parte dum filme que se viu há muitos anos. Mas há sempre algo que fica. Quando você me visitou no primeiro dia depois de termos nos despido de alma e corpo, tocava Cranberries na sala de estar. Não é engraçado esse termo? Os nomes das salas quase sempre nos dizem o que fazer: numa se janta, noutra se espera por algo que virá. Nessa não há nada que se faça: é sobre permanecer, apenas. Talvez por isso eu tenha nítidas lembranças de todas as vezes em que te vi sentado no meu sofá, com olhos inquietos e desejosos. Será que aí do outro lado você se lembra? Será que também levantou no meio da madrugada e depois, de olhos pregados no teto, lembrou qualquer coisa de nós? Será que em algum dia dos últimos dez anos você quis ter estado de novo na minha sala estar?